É verdade que a Zona 2 é a que mais queima gordura?
Pela Dra. Gabriela Prado e Rafael Lund
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É verdade que a Zona 2 é a que mais queima gordura?
Essa foi uma pergunta respondida pelos nossos 2 especialistas trazendo um pouco da experiência e visão de cada um!
No final tem uma enquete para entendermos o que acham desse tipo de conteúdo.
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Pela Dra. Gabriela Prado e Rafael Lund
Dra. Gabriela Prado
Resumo
Treinar na Zona 2 não é o treino que mais emagrece. Ela otimiza a oxidação (“queima”) de gordura durante o exercício, mas isso é diferente de perder gordura corporal.
A Zona 2 é excelente para construir base aeróbica, melhorar eficiência e aumentar flexibilidade metabólica.
Para perder gordura corporal, o fator mais decisivo é o déficit calórico total, independentemente de qual combustível você usou na sessão de treino.
Para performance, especialmente no endurance, treinar na Z2 impacta de forma significativa o desempenho em provas longas.
Para saúde metabólica e perda de peso, tanto treinos moderados quanto intensos são ferramentas valiosas, desde que adaptadas ao ao objetivo, ao momento e ao contexto de cada pessoa.
No fim das contas, a pergunta não deveria ser “em qual zona eu mais queimo gordura?”, mas sim: “treinar em qual zona faz mais sentido para o meu objetivo agora?”
Conteúdo completo
No universo da longevidade e do endurance, a Zona 2 virou quase uma religião, sendo sinônimo de “treino que mais queima gordura”, “aumenta “mitocôndrias”, etc. Mas tem muita simplificação e muitos mitos nessa história.
E quando misturamos termos técnicos (oxidação de gordura, VO₂max, limiares ventilatórios) com conselhos genéricos como “treine a 70% da FCmáx”, isso gera mesmo muita confusão.
Por isso, antes de tudo, vamos organizar o vocabulário.
Primeiro: o que você está chamando de “queimar gordura”?
A resposta pode ser:
• Emagrecer (perder gordura corporal) ou
• Oxidar gordura como combustível (e aqui entram os fatores relacionados à melhora de desempenho esportivo e melhora da saúde metabólica)
Vejam que são duas coisas MUITO diferentes!
A segunda confusão mais comum é achar que existe uma zona mágica de FC que funciona igual para todo mundo. E aqui entram alguns conceitos fundamentais: quais tipos de combustíveis usamos, o que é Zona 2 e o que é FatMax.
Como o corpo escolhe qual combustível usar?
Durante o exercício, o corpo alterna entre dois combustíveis principais: gordura e carboidrato.
Gosto de usar uma analogia simples:
A gordura é um tanque enorme, praticamente ilimitado, mas com um “fluxo” mais lento, e por isso é o combustível priorizado em esforços leves e constantes. É como se fosse o etanol do carro flex: mais barato, mais disponível, mas gera menos potência.
O carboidrato é a gasolina aditivada: mais potente, entrega energia mais rápido, mas acaba cedo.
Ou seja: se você aumentou a intensidade, o corpo migra progressivamente para usar mais carboidrato.
Se você reduzir a intensidade, volta a usar mais gordura.
Legal, Gabi. Mas como eu sei quando eu uso mais gordura como combustível?
É aí que entra a zona 2.
Z2 é uma faixa de intensidade aeróbica baixa a moderada, geralmente situada logo abaixo do primeiro limiar ventilatório (um ponto medido pela ergoespirometria, aquele exame na esteira ou bike feito com uma máscara para medir os gases respirados).
É uma zona de intensidade em que você ainda consegue conversar, a respiração está tranquila e o metabolismo é predominantemente aeróbico (aqui a gente usa o talk test para estimar se você está na Z2 - você consegue falar, mas não consegue cantar).
Treinar aqui melhora capacidade mitocondrial, eficiência metabólica e a famosa “base aeróbica”.
Dentro da Z2, temos um ponto chamado FatMax. Esse é o ponto exato em que seu corpo queima mais gordura por minuto, e ele geralmente acontece na parte mais inferior da Z2, algo próximo a 60% da frequência cardíaca máxima.
Mas vejam nesse gráfico do Asker Jeukendrup, grande pesquisador sobre o tema, o quanto essa faixa varia entre os indivíduos.
Ou seja, como as intensidades de Z2 e Fatmax não iguais para todo mundo, já podemos esquecer aquele conceito de que “treinar em 70% da frequência cardíaca máxima queima mais gordura”, ok? Para alguns será 40%, para outros, 80%.
Como eu faço para saber minha Z2 e Fatmax, então?
O padrão ouro é a ergoespirometria, em que avaliamos os gases respirados e construímos a curva de oxidação de gordura e carboidrato, determinamos os limiares ventilatórios e as zonas de treinamento. Na falta de acesso a esse exame, a percepção subjetiva do esforço e o talk test ajudam a se manter na intensidade adequada.
Mas qual seria, então, a vantagem de treinar em Z2 e oxidar mais gorduras?
São inúmeras, especialmente para quem corre provas de longa distância ou precisa melhorar a saúde metabólica.
Você poupa glicogênio muscular (nossa maior reserva de carboidratos), o que significa sustentar ritmos por mais tempo - ótimo para maratonas, por exemplo
Melhora a função mitocondrial, a sensibilidade à insulina e saúde metabólica no geral.
Gera menos desgaste muscular, articular, sendo ótimo para quem está começando a se exercitar.
Ok, mas falou, falou e não respondeu à pergunta: treinar em Z2 emagrece mais?
Agora que vocês já sabem como funciona o uso dos tipos de combustíveis, os benefícios de treinar em Z2, a diferença entre queimar gordura e emagrecer, vamos ao ponto principal: não, oxidar mais gordura durante o treino não garante que você vai perder mais gordura corporal.
O emagrecimento depende do déficit calórico ao longo do dia e da semana, e não de qual combustível você queimou durante a sessão.
Exemplo: caminhar leve por 1h gasta 300kcal, enquanto correr forte por 1h gasta 700kcal. Mesmo que a corrida forte use mais carboidrato como combustível, o gasto energético total no final do dia é muito maior.
No fim do dia, treinar em Zona 2 não é um atalho para o emagrecimento, mas sim uma ótima ferramenta para construir um metabolismo mais eficiente, uma base aeróbica sólida e um corpo capaz de performar melhor por muitos anos - assim como são os treinos intervalados, de tiro, HIIT, de limiar, de ritmo de prova, fartleks, e vários outros.
Cada um vai ter seu benefício dentro do contexto de cada pessoa (objetivos, fase de vida, de ciclo, doenças, resultados de exames, etc).
Mas para perder gordura corporal e emagrecer, a variável que realmente determina o resultado é o déficit calórico ao longo do tempo.
Rafael Lund
Sim, é verdade.
Mas antes de comemorar essa resposta, deixa eu te fazer uma pergunta de volta: por que você está me perguntando isso?
Porque essa pergunta aparentemente simples carrega muito mais camadas do que parece à primeira vista.
O Vai e Vem das Modas no Fitness
Se fizermos um olhar histórico sobre o treinamento para emagrecimento, vamos perceber um padrão curioso.
Por muitos anos, treinar em intensidade leve a moderada foi considerado o padrão ouro para perder peso. A famosa “Zona de Queima de Gordura” que aparecia (e ainda aparece) nas esteiras e bicicletas ergométricas das academias é basicamente o que hoje chamamos de Zona 2.
Depois veio o boom do HIIT para emagrecimento. De repente, tudo era HIIT. Você perdia gordura dormindo. Continuava queimando calorias por até 48 horas depois do treino. O cardio tradicional virou coisa do passado, obsoleto, ineficiente.
E agora, com a alta nas mídias sobre treinar em Zona 2, voltamos novamente para a ideia de que usar gordura como fonte de energia durante o exercício pode ser positivo para emagrecimento. A roda gira, e aqui estamos nós, de volta ao ponto de partida.
O Problema dos Mecanismos Bonitos
Nas áreas da saúde, os mecanismos fisiológicos sempre nos iludem. Eles chegam todos bonitos, fazendo muito sentido na teoria, com explicações detalhadas sobre oxidação de gordura, metabolismo energético, EPOC e tudo mais.
No entanto, precisamos lembrar de algo fundamental que o grande Dr. José Carlos Souto, sempre repete: a realidade tem primazia sobre os mecanismos.
E a realidade aqui é o que nos dizem os ensaios clínicos randomizados - estudos com um grau de evidência mais alto que comparam duas ou mais intervenções de forma direta. Quando pesquisadores compararam treinos com diferentes intensidades para emagrecimento, perceberam algo surpreendente: não há diferença estatística significativa entre elas, especialmente quando o gasto energético total é similar.
Existem outras diferenças práticas, claro.
O HIIT tende a ser mais curto nos estudos do que o treino moderado, por exemplo. E mesmo assim, emagrece na mesma magnitude.
Repito: emagrece na mesma magnitude usando menos gordura como fonte de energia durante a atividade.
A Verdade Inconveniente
Então não, treinar em intensidade baixa para “gastar gordura” não é necessariamente a melhor forma de emagrecer.
E eu preciso que você nunca esqueça disso: em última análise, o emagrecimento acontece quando o gasto energético é maior do que o consumo de energia.
Seja essa energia vinda de gordura, de carboidrato ou até mesmo de proteína (embora esta entre menos nessa equação, mas isso fica para outro momento).
Sempre que alguém me pergunta “Rafa, HIIT ou contínuo para emagrecer?”, minha resposta é: por que não os dois? Por que não parar de olhar para o exercício apenas pensando em gastar calorias ou queimar gordura, e começar a olhar para ele como uma maneira de você desempenhar melhor?
É exatamente isso que faço quando prescrevo treinos. Faço meu aluno correr mais rápido e por mais tempo. E para alcançar esse objetivo, mesclar as intensidades é a melhor forma. Não usar apenas uma.
O Que São as Zonas de Treino?
E para prescrever dessa forma inteligente, aí sim vale a pena entender o que são as zonas de treino. Elas são uma forma didática de separar as intensidades de esforço.
Geralmente divididas como leve, moderado ou intenso, mas especialmente no treinamento aeróbico, os pesquisadores perceberam que apenas essa divisão simples não era suficiente. Por isso, foram aumentando e refinando essas classificações.
As zonas têm uma relação direta com a quantidade de metabólitos que é produzida durante o exercício. O mais estudado até o momento é o lactato, que por muito tempo foi considerado um vilão do desempenho, mas hoje é visto como um excelente marcador e com muitas funções importantes no organismo.
Quanto mais intenso o treino, mais lactato se acumula. E esse acúmulo começa a dificultar a permanência no exercício. Como existe uma relação direta entre a produção de lactato e a frequência cardíaca, na prática acabamos usando a FC como marcador das zonas de treino. É mais prático, acessível e suficientemente preciso para a maioria das aplicações.
Existem autores que trabalham com modelos de até 6 ou 7 zonas diferentes, cada uma com características metabólicas e adaptativas específicas. Mas o princípio é sempre o mesmo: organizar a intensidade de forma lógica e progressiva.
O Grande Ponto Que Você Não Pode Esquecer
Aqui está o que realmente importa: queimar mais gordura durante o exercício não é sinônimo de emagrecer mais.
Emagrecer é déficit energético.
Ponto.
Eu já falei em conteúdos anteriores que existe uma enorme vírgula nessa afirmação - o metabolismo é complexo e há nuances importantes - mas ainda assim, esse é o fato central. Você precisa gastar mais do que consome. Porque se você usar muita gordura como fonte de energia durante o exercício, mas consumir muito mais ao longo do dia, vai engordar da mesma forma.
Se você gosta de treinar na Zona 2, ótimo! Faça isso. É um treino válido, com benefícios cardiovasculares e metabólicos comprovados. Mas te garanto que você vai ter benefícios adicionais se incluir 20 a 30% dos seus treinos no formato intervalado de alta intensidade.
Eu mesmo não consigo correr em Zona 2.
Quando começo a correr, já vou direto para Zona 3. Teria que estar numa bicicleta para realmente conseguir me manter em Zona 2, mas isso não cabe mais na minha rotina atual. E está tudo bem. Eu treino do jeito que funciona para mim, mesclando intensidades conforme minha realidade permite.
A mensagem final é simples: treine com inteligência, varie as intensidades, e lembre-se sempre que o exercício é uma ferramenta para você viver melhor e desempenhar mais. O emagrecimento é consequência de um conjunto de fatores, não de uma zona mágica de frequência cardíaca.
As imagens a seguir são apenas a evolução do domínio de intensidade do exercício aeróbico.
O limiar de Lactato tem relação direta com o limitar ventilatório e, como consequência, relação direta com a Frequência Cardíaca.
Referências Dra. Gabriela Prado:
Jeukendrup AE, Saris WH, Wagenmakers AJ. Fat metabolism during exercise: a review—Part II: regulation of metabolism and the effects of training. Int J Sports Med. 1998;19(5):293-302. doi:10.1055/s-2007-971921.
Zouhal H, Ben Abderrahman A, Khodamoradi A, et al. Effects of physical training on anthropometrics, physical and physiological capacities in individuals with obesity: a systematic review. Obes Rev. 2020;21(9):e13039. doi:10.1111/obr.13039.
Zhu X, Jiao J, Liu Y, Li H, Zhang H. The release of lipolytic hormones during various high-intensity interval and moderate-intensity continuous training regimens and their effects on fat loss. J Sports Sci Med. 2024;23(1):559-570. doi:10.52082/jssm.2024.559.
Buchheit M, Laursen PB. High-intensity interval training, solutions to the programming puzzle. Part I: cardiopulmonary emphasis. Sports Med. 2013;43:313-338. doi:10.1007/s40279-013-0029-x.
Venables MC, Achten J, Jeukendrup AE. Determinants of fat oxidation during exercise in healthy men and women: a cross-sectional study. J Appl Physiol. 2005;98:160-167. doi:10.1152/japplphysiol.00662.2003.
Sitko S, Artetxe X, Bonnevie-Svendsen M, Galán-Rioja MÁ, Gallo G, Grappe F, Leo P, Mateo M, Mujika I, Sanders D, Seiler S, Zabala M, Valenzuela PL, Viribay A. What is “Zone 2 training”?: Experts’ viewpoint on definition, training methods, and expected adaptations. Int J Sports Physiol Perform. 2025;20:1614-1617. doi:10.1123/ijspp.2024-0303.
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